Ambidestria Corporativa: A Jornada de Transformação

Luís Rasquilha

CEO da Inova, professor universitário, advisory board member, autor e consultor.

A gestão das empresas tem sido, até hoje, influenciada pelos princípios de gestão criados na 2ª Revolução Industrial. Princípios baseados na produção em massa, que se alavancavam graças ao conceito de divisão de tarefas e ao uso da energia elétrica, implantados em 1870. Desde essa altura as regras de funcionamento das empresas (com normais ajustes) não sofreram grandes questões nem alterações.

 

Por dois séculos a gestão tem sido baseada na hierarquia de decisões e funções, com elevado foco na cadeia de valor e atenção máxima ao produto, numa clara visão construída “de dentro para fora”. Apesar das diferentes mudanças que o mundo tem vivido, nomeadamente no início do Séc. XXI, as empresas têm resistido a alterar o seu modo de atuar e de pensar.

Nomeada em 2016, pelo World Economic Forum, a 4ª Revolução Industrial chegou para mudar tudo. Baseada no uso de sistemas físico-cibernéticos, dando início à era da indústria conectada e das fábricas inteligentes, esta nova realidade tem-se expandindo e alargado à sociedade e ao mundo, com a crescente influência da tecnologia e da conectividade. Este fenómeno tem alterado o comportamento dos consumidores e a dinâmica dos mercados. Empresas ditas tradicionais têm perdido terreno para novos entrantes, que têm vindo a alterar o modus operandi da gestão e as dinâmicas dos negócios. O movimento “startups” e o clube dos unicórnios não param de crescer.

 

A evolução tecnológica, mudança do comportamento do consumidor, a turbulência política e a incerteza económica dos últimos anos reafirmaram aos gestores a importância da adaptabilidade – a capacidade de se mover rapidamente em direção a novas oportunidades e se ajustar a mercados voláteis e evitar complacências, sem prejudicar o negócio atual. A capacidade de uma empresa de executar simultaneamente a estratégia de hoje enquanto desenvolve a de amanhã surge do contexto atual da mudança e ter sucesso a longo prazo, precisa dominar a adaptabilidade e o alinhamento – os atributos definidos e conhecidos como ambidestria. O termo “Ambidestria”, que significa originalmente a capacidade de se ser igualmente habilidoso com ambas as partes do corpo (“ambidestro” tem origem no Latim: ambi, que significa “ambos” e dext, que significa “certo”), insere-se na gestão há menos de duas décadas. Mais especificamente em 2004, em dois papers, sendo um deles do MIT Sloan Management Review (“Building Ambidexterity Into an Organization”, 2004) e trouxeram o dilema de cuidar do negócio e estrutura atuais e, ao mesmo tempo, olhar para negócios emergentes e estruturas futuras.

 

Como manter o negócio rentável e saudável hoje e, ao mesmo tempo, prepará-lo para o futuro? Os desafios de curto prazo existem e precisam de muita energia, mas o futuro exigirá novas estratégias e ações que precisam ser pensadas e planeadas hoje, sob pena de sermos apanhados de surpresa por um novo paradigma que não nos permita, a tempo, preparar a organização e fazer o movimento.

 

Duas formas de ambidestria

O conceito de ambidestria organizacional existe há anos, mas as evidências sugerem que muitas empresas têm lutado para aplicá-lo. A abordagem padrão é criar ambidestria estrutural, ou seja, criar estruturas separadas para diferentes tipos de atividades. Por exemplo, as unidades de negócios centrais recebem a responsabilidade de criar alinhamento com os produtos e mercados existentes; e o departamento de P&D e o grupo de desenvolvimento de negócios têm a tarefa de prospetar novos mercados, desenvolver novas tecnologias e acompanhar as tendências emergentes da indústria. A separação estrutural é necessária, porque os dois conjuntos de atividades são tão dramaticamente diferentes que não podem coexistir efetivamente.

 

A ambidestria contextual reporta-se ao contexto de atuação da empresa e seus colaboradores e difere da ambidestria estrutural em muitos aspetos importantes, mas as duas abordagens são mais bem vistas como complementares.

 

Existem 4 comportamentos contextuais ambidestros nos indivíduos:

01.

Indivíduos ambidestros tomam a iniciativa e estão alertas para oportunidades além dos limites de seus próprios empregos. Por exemplo, um gerente regional de vendas de uma grande empresa de informática, em discussões com um grande cliente, percebeu a necessidade de um novo módulo de software que nenhuma empresa oferecia atualmente. Em vez de tentar vender algo diferente ao cliente ou apenas passar a liderança para a equipa de desenvolvimento de negócios, ele encarregou-se de elaborar um caso de negócios para o novo módulo; assim que recebeu o sinal verde, passou a dedicar-se em tempo integral ao desenvolvimento do produto.

02.

Indivíduos ambidestros são cooperativos e procuram oportunidades para combinar os seus esforços com os de outros. O gerente de marketing de uma grande empresa de bebidas para a Itália estava principalmente envolvido no apoio a uma subsidiária recém-adquirida e ela estava frustrada com a falta de contato que tinha com seus colegas noutros países. Em vez de esperar que alguém na sede aja, ela iniciou discussões com colegas de outros países que levaram à criação de um fórum europeu de marketing. Este grupo se reunia trimestralmente para discutir questões, compartilhar as melhores práticas e colaborar nos planos de marketing.

03.

Indivíduos ambidestros são corretores, sempre à procura de construir vínculos internos. Numa visita de rotina à matriz em St. Louis, um gerente de fábrica canadense de uma grande empresa de produtos de consumo ouviu discussões sobre os planos de um investimento de US $ 10 milhões em uma nova fábrica de fitas. Ele indagou mais sobre esses planos e, no seu reresso ao Canadá, ligou para um gerente regional em Manitoba, que ele sabia que estava à procura de maneiras de construir o seu negócio. Com algum apoio generoso do governo de Manitoba, o gerente regional licitou e, no final, ganhou o investimento de $ 10 milhões.

04.

Indivíduos ambidestros são multitarefas que se sentem confortáveis ​​em utilizar mais que um chapéu. Por exemplo, o gerente de operações na França de um grande distribuidor de café e chá foi inicialmente encarregue de fazer aquela fábrica funcionar da maneira mais eficiente possível, mas ele encarregou-se de identificar novos serviços de valor agregado para os seus clientes. Desenvolveu um papel duplo para si mesmo, gerindo as operações quatro dias por semana e no quinto desenvolvendo um módulo eletrónico promissor que relatava automaticamente problemas iminentes dentro de uma máquina de venda automática de café.

A visão tradicional da ambidestria organizacional gira em torno de uma separação estrutural de iniciativas e atividades (ambidestria estrutural). A noção de ambidestria contextual, que se manifesta num nível individual, representa um processo complementar.
Ambidestria: Estrutural vs. Contextual
CAMINHOS PARA A AMBIDESTRIA

Para executivos que buscam construir uma organização ambidestra, existem cinco lições principais que emergem de nosso trabalho.

Antes que uma organização possa dar passos em direção a um contexto de alto desempenho, ela deve descobrir onde está atualmente em termos de gestão de desempenho, suporte social e o equilíbrio entre os dois. Uma ferramenta de diagnóstico simples que envolve respostas de um grande número de pessoas em toda a empresa produzirá uma análise quantitativa básica e útil. Pode ser complementado com uma discussão mais qualitativa do contexto na organização. Na medida em que as duas análises se reforçam, surge uma imagem confiável de quais mudanças precisam ser feitas ao longo de quais linhas para mover a organização em direção ao alto desempenho.

Não há evidências de que alavancas organizacionais específicas, como remuneração de incentivos ou gestão de risco, estejam consistentemente vinculadas ao sucesso. Existem muitas maneiras de construir um contexto organizacional que possibilite a ambidestria. As empresas de melhor desempenho, no entanto, são aquelas que se concentram consistentemente em apenas algumas alavancas. Quanto mais consistentemente elas forem aplicadas, mais fácil será para os funcionários de toda a organização entender as mudanças em andamento. A consistência é crucial, uma vez que o contexto organizacional não cria, por si só, alto desempenho, mas permite a ambidestria em nível individual que, com o tempo, leva ao alto desempenho.

Quanto um colaborador está mais baixo na hierarquia corporativa mais baixo ele avalia as características ambidestras da organização – um padrão designado de efeito erosão.

Quase todas as pesquisas sobre ambidestria focam-se na separação estrutural entre atividades orientadas para o alinhamento e atividades orientadas para a adaptabilidade. Muitas grandes empresas, estabeleceram unidades de risco corporativo para fomentar novas ideias de negócios. O maior perigo é o de essas unidades se tornarem isoladas e irrelevantes para a estratégia da empresa.

 

A ambidestria contextual não é uma alternativa à ambidestria estrutural, mas sim um complemento. A separação estrutural pode às vezes ser essencial, mas também deve ser temporária, um meio de dar a uma nova iniciativa o espaço e os recursos para começar. O objetivo final deve ser a reintegração com a organização dominante o mais rápido possível. A ambidestria contextual pode melhorar os processos de separação e reintegração.

A ambidestria surge não apenas por meio da estrutura formal ou das declarações de visão de um líder carismático. Em vez disso, é alcançado em grande parte por meio da criação de um contexto de apoio no qual os indivíduos fazem suas próprias escolhas sobre como e onde concentrar suas energias. A liderança, em outras palavras, torna-se uma característica exibida por todos na organização. O ímpeto em direção à ambidestria às vezes pode ser impulsionado por iniciativas de cima para baixo, mas o objetivo é permitir que a liderança surja da organização em todos os níveis e para que a liderança emergente e onipresente seja inerentemente ambidestra.

 

Como avaliar o ponto em que uma empresa está numa jornada de ambidestria? Um dos temas mais críticos é saber onde se está para, após isso, se definirem os caminhos estratégicos da jornada. O quadro abaixo propõe uma análise detalhada dos eixos a considerar na jornada, sendo que o ideal é garantir o equilíbrio entre os dois polos (Escala & produtividade vs. Velocidade & criatividade).

MATRIZ DE CAPACIDADE ORGANIZACIONAL DE ALTO NÍVEL DE UMA ORGANIZAÇÃO AMBIDESTRA

O resultado obtido permite a definição assertiva da jornada a ser seguida pelos atores empresariais. A ambidestria é, então, um novo modelo de atuação que suporta o sucesso empresarial e que coloca frente a frente contextos aparentemente antagónicos, mas sobretudo complementares. Não é fácil definir e implementar uma jornada de ambidestria mas ela é a distância que separa a uma organização do sucesso e da longevidade ou do insucesso e da falência.