Inovar é mais do que “apenas” investigar e desenvolver novos produtos. Inovar é, também, reaproveitar e dar uma nova utilização a produtos já existentes ou a algo que antes não era valorizado.
E foi precisamente isto que uma equipa de investigadores portugueses e franceses, liderada por Ivan Viegas, do Centro de Ecologia Funcional da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) fez. Testou, com sucesso, a utilização do glicerol, um subproduto do biodiesel, como ingrediente alternativo na ração para alimentar peixes de aquacultura.
Atualmente cerca de 50% do peixe consumido no mundo tem origem na aquacultura. Um número que tende a aumentar, não só pela pressão da pesca nos oceanos, mas, também, pela poluição existente. E isso nota-se nos vários investimentos que têm sido feitos – em abril, na Alimentaria, a Pescanova anunciou o lançamento da primeira “quinta” de polvo. Mas o negócio enfrenta um problema: as rações que são comercializadas hoje são demasiado dispendiosas. Pior, numa altura em que o termo sustentabilidade ganha cada vez mais adepto, muitas não são nada sustentáveis. A razão? São produzidas à base de ingredientes de origem animal.
A pensar nisto Ivan Viegas considerou que era necessário encontrar “ingredientes alternativos cujo conteúdo nutricional e energético, mas também a sua pegada ecológica, garantam uma produção mais rentável, segura, sustentável e resultando num produto final nutritivo. Neste contexto, o desenvolvimento de rações para aquacultura deve apostar no aproveitamento de subprodutos de outras indústrias, com base na reutilização, recuperação e reaproveitamento de nutrientes como postulado no princípio da economia circular”.
O projeto decidiu apostar no glicerol, que Ivan Viegas considera ser “um subproduto da indústria do biodiesel cujo aumento de produção global levou o glicerol a tornar-se num ingrediente abundante, disponível e atestado como seguro, pelas autoridades europeias para a segurança alimentar, para utilização em rações animais. Com a crise de combustíveis que se avizinha, será até expectável que a produção de biodiesel aumente. Urge, portanto, encontrar utilizações para os seus subprodutos”.
A utilização deste ingrediente como ingrediente alternativo não é uma completa novidade. Tem sido utilizado com sucesso na suinicultura e avicultura. O objetivo agora era o de ver se poderia, também, ser usado na aquacultura. Neste sentido, para verificar o seu potencial, foram testadas duas espécies de peixes de viveiro em Portugal, a truta arco-íris e o robalo.
Os resultados obtidos indicam que as dietas experimentais preparadas pelos cientistas, suplementadas com 2.5% e 5% de glicerol, foram bem aceites por ambas as espécies. As análises efetuadas demonstraram que “a performance no crescimento [dos peixes] poderá ser afetada na percentagem mais alta, no entanto, uma suplementação intermédia até 2.5% não altera substancialmente a performance e eficácia na utilização metabólica e perfil nutricional do filete“, aponta o responsável pelo projeto. O que significa, explica, “que há margem para a incorporação do glicerol na dieta destas espécies». Além disso, realça, «analisámos o fígado das espécies testadas, o principal órgão de regulação de toda a ‘maquinaria metabólica’, e com a ajuda dos nossos parceiros do INRAE, em França, verificámos não haver alterações da regulação enzimática do metabolismo hepático destes peixes pelo glicerol“.
O estudo, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), foi desenvolvido nos últimos quatro anos e originou várias publicações científicas, a última na revista Frontiers in Marine Science, na edição dedicada ao tema ‘Feeding a Sustainable Blue Revolution: The Physiological Consequences of Novel Ingredients on Farmed Fish‘.
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